ARTIGO | Os mais vulneráveis ao coronavírus (Padre Carlos)*

Padre Carlos* – Prezado leitor, as pessoas mais impactadas pelo covid-19, são justamente as que sofrem todo tipo de abandono da sociedade.  Por mais que tentemos nos aproximar, que possamos promover uma ação solidária, ainda assim são muitas as pessoas que, infelizmente, não conseguiremos alcançar e que se sentem mergulhadas numa espiral de autoextermínio.

É o caso de muitos marginalizados da sociedade. Podemos dizer que estas pessoas, são fruto de circunstâncias adversas, como o desemprego, ou de não terem encontrado apoio humano, na velhice ou na doença. Outras vezes porque se deixam guiar por impulsos que os conduziram fatalmente ao consumo da droga, álcool e tantas outras dependências.

O abandono é sem dúvida alguma, o maior sintoma de morte que um ser humano possa experimentar; esta ação é tão perversa, que termina denunciando as contradições da nossa sociedade. Fala-se em democracia e chama esta pobre alma de cidadão, da excelência da investigação científica, do mundo das comunicações globais e, ainda assim, assistimos, perplexos, a casos de fome, de abandono e a desigualdades sociais.

O Papa Francisco, neste aspecto, tem sido a voz daqueles que por alguma razão não a possuem e não tem permitido que se esqueçam as pessoas descartadas e colocadas à margem de uma vida autentica. É esta realidade da morte e do abandono que recordamos, com dor e sofrimento, neste momento de pandemia.

Estamos perto de alcançar a marca das cem mil mortes causadas por este vírus e nesta caminhada ouvimos Cristo, em condições de extremo abandono, sussurrar “tudo está consumado”. Jesus deu-Se até ao fim e, pela sua morte, “desceu às regiões inferiores da terra” (Ef 4, 9) para que nenhum Homem tivesse de experimentar o sofrimento do inferno.

Muitas pessoas parecem que também, como diz o Credo Apostólico, descendit ad inferna, isto é, desceram aos infernos e não encontram saída. Mas nem a morte tem a última palavra, nem podemos cruzar os braços diante de qualquer drama humano.

Queremos e trabalhamos para um mundo mais justo. Pode parecer difícil, mas não é impossível. Olho para os profissionais da área social ou da saúde e acredito que, com generosidade e sacrifício, poderão dar sentido a muitas vidas. 

Olho também para o trabalho dos voluntários que vão ao encontro dos abandonados, nos seus abrigos, dos dependentes químicos, dos desempregados e peço que não tenham medo de se aproximarem destas pobres almas, que cruzem as suas vidas com a vida destas pessoas.

Os voluntários e os profissionais de saúde podem ser, neste momento de morte e de dor, os santos dos tempos modernos. E, para isso, o Bom Deus confiou-lhes duas obras de misericórdia particularmente importantes neste contexto pandêmico: 1. Sepultar os mortos; 2. Rezar a Deus pelos vivos que sofrem e por aqueles que partiram desta vida.

A obra de misericórdia sepultar os mortos surge neste contesto em que os familiares não puderam se despedir diante de um caixão lacrado. “Sepulta o seu corpo segundo o costume, e não desprezes a sua sepultura”. Um dos episódios mais recentes e comoventes no Novo Testamento é a atitude de José de Arimateia e Nicodemos que se dirigem a Pilatos pedindo o corpo de Jesus para o sepultar e rezar por Ele (cf. Mt 27, 57-66; Jo 19, 38-42).

Enterrar os mortos nesta pandemia, deixou de ser visto como uma tarefa da comunidade cristã no seu todo. No máximo, o sacerdote preside às exéquias em nome da comunidade. O funeral parece ser mais uma tarefa das instâncias governamentais. 

A comunidade cristã deve repensar como vive estes momentos: no acolhimento, no acompanhamento dos familiares e no respeito com que são preparadas as celebrações. Os funerais devem ser momentos onde a fé se faz carne e onde os enlutados encontram conforto na comunidade e na palavra de Deus.

Conscientes das “mortes” provocada pelo vírus, covid-19, temos a certeza como comunidade que não podemos esquecer cada irmão e irmã que partiram para casa do Pai. O dever de rezar pelos vivos e pelos mortos deve estar presente nas nossas intenções. Temos de ter tempo para rezar! Rezar como louvor a Deus e como prece pelas nossas intenções e pelas intenções dos outros. Tal como no amor, a oração também é uma obra e um trabalho.

Na etimologia, interceder é interpor-se entre duas partes para construir uma ponte de unidade. É também esta a posição de Cristo na cruz: interpor-se, interceder, mediar o céu e a terra, Deus e os homens, os vivos e os mortos. Jesus rezou pelos seus discípulos e fez da sua morte a oração derradeira. Agora é a nossa vez de sozinhos ou em comunidade, rezarmos uns pelos outros. Pode parecer que não podemos fazer nada ou muito pouco diante de uma crise sanitária como esta que tem ceifado tantas vidas, mas a oração e a entrega a quem necessita são a nossa grande força.

SOBRE O AUTOR E O CONTEÚDO POSTADO
* (Padre Carlos Roberto Pereira, de Vitória da Conquista, Bahia, escreve semanalmente para esta coluna)

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