A entrega de um livro didático de ensino médio (3º ano) de história aos radialistas da Rádio Clube de Conquista no dia do Jornalista (07 de abril) aconteceu no dia 13 de abril às 12 horas impreterivelmente e ficou conhecido nas redes sociais como atentado cultural positivo contra o reacionarismo.
Em minha modesta opinião trata-se de uma espécie de intifada didática contra ultraconservadorismo reacionário, numa alusão ao ocorrido com Nelson Rodrigues. Alguns docentes de alguns cursos da área de ciências humanas resolveram possibilitar aos dois falantes da Rádio Clube de Conquista o acesso as competências e habilidades objetivadas pela disciplina de História.
Ao meu juízo, tratou-se de apresentar aos comentaristas afetados pela ausência de compreensão histórica, os fatos históricos mais relevantes que marcaram o século XX. Da jovem república (1889) a era da globalização (1990), passando pela última Constituição brasileira que criou a República Democrática de 1988, após um longo período do sanguinário, truculento, torturador, assassino e lesa-pátria regime político criado pela ditadura civil-militar, surgida via golpe de Estado de 31 de março de 1964 que perdurou até 1985.
O evento desencadeou o surgimento do tragicômico “galego da rádio”, um dos personagens centrais da trama reacionária que daria ao lendário cronista e influente dramaturgo liberal brasileiro Nelson Rodrigues, que gostava de se auto intitular politicamente de reacionário, um excelente motivo para descaracterizar essas narrativas de extrema-direita dos porta-vozes do golpe de 1964 e de 2016. Óbvio que é uma lembrança cirúrgica, para refazer o trajeto “reacionário” do apoio ao golpe e a ditadura civil-militar, o elogio ao presidente General Emilio Garrastazu Médici ao ocaso no final de sua vida, vendo-se obrigado a rever seus posicionamentos “reacionários” ao se deparar com a bárbara prisão e tortura sanguinária do seu filho Nelsinho – que entrou de cabeça na luta armada contra o regime ditador.
Esperamos que os radialistas da Rádio Clube de Conquista revejam seus posicionamentos reacionários a partir da sugestão de leitura do livro didático, gentilmente oferecido por professores(as) que têm responsabilidade com a honestidade da memória dos fatos, antes que aconteça a mesma coisa que levou ao “reacionário” recifense, autor da celebre frase “Toda unanimidade é burra”, a transformar-se no militante obstinado pela anistia (ampla, geral e irrestrita) aos presos políticos.
Antes de qualquer mal-entendido sobre a Rádio Clube de Conquista, gostaria de reafirmar o caráter histórico, cultural e informativo dessa emissora de rádio para o desenvolvimento sociocultural e político de Vitória da Conquista desde o seu surgimento em 17 de dezembro de 1952. Ouço a rádio desde que me entendo por gente, mas tenho minhas reservas ao atual formato do programa “resenha geral”, obviamente muito diferente do primeiro programa que foi ao ar em 9 de fevereiro de 1978 pela ZYN 25 Rádio Clube de Conquista AM.
A ideia de resenhar é muito sugestiva, pois trata-se de um gênero textual (que pode ser oral) que descrever sobre um texto, um filme, uma música, um acontecimento marcante de grande relevância em que o resenhista oferece sua opinião sobre um determinado assunto ou conteúdo. A ideia de comentar sobre temas relevantes numa pequena cidade com ares provincianos ganhou dimensões estratosféricas, mesmo que não fosse sobre tudo.
Mas, inegavelmente a ideia se perdeu no meio do caminho a partir do momento em que a “A Voz de Conquista” se transformou num patológico oportunista palanque eleitoral ultraconservador, retrocedendo tais resenhas aos longínquos tempos da ARENA, PFL e UDN, atualizado sob a esfinge bolsonarista que conduziu seu principal radialista à prefeitura.
Antes de ouvir alguém falar sobre temas complexos e espinhosos fora do campo do jornalismo e desprovidas da Historiografia disponível, o historiador deve se ocupar com essa narrativa direcionada à uma maioria formada por pessoas simples e não escolarizada o suficiente para identificar nessas construções difundidas através dos microfones da Rádio Clube de Conquista certas deformações. Pois, não sendo essas pessoas necessariamente uma plêiade (formada por cientistas, pesquisadores, intelectuais ou técnicos) tais comportamento têm por finalidade “rescrever” à História ao sabor da conveniência de torturadores que praticaram crimes hediondos constituindo períodos históricos assinalados por perversidades e desumanidades praticadas contra pessoas vulnerabilizadas por causa de um sistema que promove fragilidades sociais, econômicas, culturais e políticas.
É dever de oficio do historiador questionar se a narrativa for mistificadora, sobretudo a validade dos pressupostos, analisar quaisquer negligências ou distorções sobre fatos estudados, pesquisados e devidamente registrados. É isso que atribui à História a condição de ciência em qualquer que seja a temporalidade e/ou periodização do tempo.
A degradação de um fato histórico agride aos ouvidos mais atentos de qualquer pessoa minimamente intelectualizada, cabendo aos experientes profissionais com uma longa e desafiadora trajetória que confere ao sujeito social comunicante à condição de jornalista, combater sistematicamente a burlesca narrativa, auscultando historiadores visando a imediata correção.
Existe incômodo sim porque Vitória da Conquista não é uma arcaica província de nenhuma realiza ou um contemporâneo condomínio de poder de nenhum outsider. Por isso deve-se despertar à crítica, nomeadamente contra quem está por detrás do microfone que demonstra não ter nenhum filtro. Além de negligenciar grosseiramente o fato histórico na fonte límpida, esquiva-se da tratativa científica descreve o fenômeno a ser apresentado. Em verdade, me pergunto se retrocedi ao espaço-tempo em que se ouvia aqueles programas ultraconservadores divulgados em autofalantes e rádio controlado pela polícia política do oficialato sabuja do DOI-CODI durante a sanguinária e exterminadora ditadura civil-militar ocorrida entre 1964 e 1985.
Peço vênia se fui exigente ou presunçoso ao inquirir algo inexistente na conduta desses dois radialistas, pois sempre me pergunto por que essa indiferença sobre a necessária e inexorável compreensão da relação filosófica entre objeto, sujeito e suas múltiplas conexões internas e externas. Portanto, me interessa saber se houve um diálogo fidedigno com o seu objeto, se percorreu o seu movimento e analisou as interrelações que se estabeleceram ao logo deste trajeto, sobretudo do ponto de partida até a elucidação fenomênica do fato apresentado.
Possivelmente, nunca ouviremos isso porque só um analista diz algo assim. Frustrante pra mim! Pra você também? Talvez, a gente tenha se empolgado com as aulas de metodologia científica. Provavelmente sim!
Penso sempre no profissional de jornalismo que a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) forja, aquela pessoa desintoxicada pelo magnífico hábito da leitura e da busca incessante na vasta literatura acadêmica, com a finalidade de compreender o real movimento da sociedade e elucidar os fatos produzidos pela própria sociedade. Diferente do index em vigência durante a sanguinária ditadura civil-militar (1964-1985), os livros estão disponíveis por área, basta pesquisar que se encontra todos os conteúdos acerca do conhecimento científico, apetrechando-se acerca da compreensão crítica e o domínio de cada categoria criada para elucidar este ou aquele movimento real da sociedade pelos seus múltiplos sujeitos organizados em classes sociais distintas que vão muito além da compreensão vulgar.
Carregava um peso mórbido ensinado pela ortodoxia de que deveria me livrar a qualquer custo do “Brasileiro gosta de samba, churrasco e futebol”. Me recordo da descoberta e do alivio maravilhoso de que o “senso comum” não é algo ruim ou desprezível. Aliás, a academia me mostrou que o ponto de partida deve ser sempre o ‘senso comum’, o conhecimento vulgar é a porta de entrada (ou saída se for o caso da alienação) da investigação que te conduz à apreensão do mundo real concreto que nos separa do legado recebido. Essa herança deve ser exaurida se quiser adentrar a essencialidade do objeto e suas nevrálgicas relações na sociedade. É uma exigência por causa da fundamentação com base em inúmeras experiências organizadas, classificadas, filtradas e controladas por um determinado grupo social que exerce sua condição de classe dominante.
A descoberta de que o senso comum é massificado como um aforismo que reflete uma ideologia de um determinado grupo social dominante, normalmente é aquele em evidência, serve para localizar na sociedade atual o lugar do privilegio por ter acesso ilimitado à vida material e intelectual. Esse despertar da consciência crítica de mundo pelo livro é perfeitamente possível, mas requer estudo e disciplina para regular as lentes que relevam o mundo e a influência que atuam sobre ele.
Fazer uma análise de conjuntura, coisa que nunca vi nenhum dos radialista fazerem, implica em identificar o itinerário deixado pelo movimento sócio-histórico real desse objeto na sociedade. Mas, ouve-se apenas a catilinária da liberdade irrestrita para o deus mercado de capitais para naturalizar exclusivamente uma ótica econômica capitalista ultraconservadora e os ataques ao Estado Democrático de Direito e a defesa insana do Estado de exceção como único regime capaz de combater corrupção. Esse itinerário ultraconservador nos leva a compreender o verdadeiro objeto e as suas relações com os sujeitos da classe dominante (elites atrasadas) desvelando uma rede de interações por meio de conectivos ideológicos, interligados direto e indiretamente a este grupo social.
Não estão sujeitos a um exercício crítico de abstração teórica, no qual o profissional de jornalismo procura partir de uma hipótese que lhe sirva de base para orientar o percurso investigativo sobre o fato, podendo ou não ser confirmado pela conclusão da averiguação, de modo que alcance uma explicação plausível e não apenas um juízo de valor. Os comentários dos radialistas admitem uma única e invariável proposição que é defendida pretensiosamente como verdadeira, estabelecido por um único princípio de saída e de chega, que invariavelmente confirma o conjunto da obra falsificada.
Isso é o que acontece em relação aos radialistas, pois poder-se-ia dizer que existe um único itinerário que é feito diariamente pelos dois comentaristas. Pasme, pois me esforcei bastante para tentar enxergar com uma lupa algum elemento que pudesse qualifica-los como analistas políticos, econômicos e sociopolíticos. Como materialista dialético, confesso minha inapetência no campo da idealização, aliás, nunca tive a menor competência para criar algo que não existe apenas com palavras.
Certamente, não conseguir identificar elementos estruturais nessas narrativas que correspondessem a essa possibilidade analítica. Como não se trata de jornalismo, enquanto ciência acadêmica, nenhuma das condições citadas acima foram observadas nas narrativas destes comentaristas. O que me leva a crer que se trata de um radialismo com base em comentários ideopolíticos construídos para reverberar um determinado interesse sociopolítico (ultraconservador) de manutenção, ancorados em duas dimensões institucionais de poder: a do governo federal e da prefeitura municipal.
Como são construídas essas narrativas desses comentaristas? Esses comentários eram desenvolvidos tradicionalmente no Brasil até 2016 com base em “noticias” produzidas por empresas privadas – tabloides, revistas e jornais da burguesia liberal. Mais recentemente a extrema-direita passou a referenciar suas “informações” em blogs como o “antagonista” que servem para massificar opiniões circunscritas as “verdades” fabricadas para serem exauridas fluidamente pelo universo de pessoas ligadas ao movimento pró-bolsonaro. Portanto, essas narrativas estão perpassadas pelo juízo de valor ultraconservador de verve fascista, resultante de microcosmo de poder que se reivindica como se fosse uma verdade de mundo universal.
Esse juízo de valor é oriundo do grupo social tradicional, é o mesmo que dirige idepoliticamente o país desde sempre. Se organiza material e intelectualmente dentro dos limites de estabilidade socioeconômica garantida pela exploração da força de trabalho e da extorsão de juros comerciais que sustenta um determinado padrão socioeconômico e suas viciadas relações sociopolíticas de poder com o Estado, no âmbito dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário).
Para que esses comentaristas de um tipo especifico de radialismo conquistense, de verve ultraconservadora, avance em suas narrativas, faz-se necessário voltar a ler o livro de História do 3º ano como sugerem os professores(as). Essa é a condição necessária para apreender efetivamente esse mundo que é infinitamente maior, mais contraditório e mais complexo fora da caixinha de ressonância que forja o pensamento das representações políticas da classe que domina todas essas dimensões da vida em sociedade.
Entender esse mundo complexo e contraditório e a diversidade de modos de vida como se vive hoje, exige seres humanos com raciocínio crítico ativado. Só assim que se supera o modo alienação, livrando-se do nível medíocre de intelectualidade que o aprisiona na mentalidade antiquada que nivela a todos por baixo. Embora nunca tenha sido uma necessidade externalizada, nem mesmo uma manifestação do inconsciente (autossabotagem), talvez seja um desejo escondido na dimensão do subconsciente. Até pode existir na mente, mas jamais esteve ao alcance adjacente da consciência desses senhores que, peremptoriamente, se negam acessar criticamente à educação formal que é composta por oito (8) áreas do conhecimento, sem a qual não se consegue fundamentar o comentário e avançar para a posição de categoria analítica.
Não estou certo de que vão ler o livro didático de História, pois não creio que queiram fazer um itinerário de cognição com base na leitura teórica, na pesquisa científica para obter domínio sobre os fatos embasado do indispensável conhecimento empírico. Por não serem jornalistas, se tornam uma espécie de trombetas da ordem unida, vozes de claudicação da realidade com base em “verdades” não confirmadas pelas ciências. Comentaristas de encomenda que a burguesia contrata a três por quatro no mercado para atender a sua necessidade de manter a alienação. Mas, não são autorizados pelos saberes oriundos das pesquisas acadêmicas realizadas por todas as áreas do conhecimento produzido pelas ciências humanas.
A sociedade não é um contexto parado no tempo, guiado por uma única visão que tem aversão a compreensão criticamente científica dos fatos. A realidade não pode ser controlada porque não é inalterável, por isso não pode ser explicada utilizando um livro que se tornou anacrônico por ter sido escrito há dois mil anos. Que refletia um outro tipo de sociedade calcada em valores religiosos intransigentes e conservadores, organização do trabalho, instituições sociopolíticas, econômicas e relações de produção e consumo baseadas numa rígida e intransponível hierarquia estamental, absolutamente contrárias aos fenômenos do mundo moderno.
O mundo medievo, cuja economia não estava baseada no trabalho, antes fora uma atividade desprezível porque a terra é a fonte de riqueza, a produção agrícola era exercida para alimentar grupos parasitas (nobreza e o clero) e era produzido de maneira artesanal. O trabalho não permitia qualquer mobilidade que possibilitasse a ascensão social. Haviam os donos da terra (senhores feudais) e os servos que eram camponeses que trocavam sua força de trabalho por moradia e segurança, cabendo a nobreza defender seus reinos de invasores.
A sociedade burguesa é absolutamente diferente da sociedade feudal surgida no período feudalismo, sistema vigente na Europa entre os séculos X e XV, fundamentalmente organizada peva vida rural centrada na propriedade do feudo (terra) vinculada ao sistema monárquico, cujo poder era exercido da maneira concentrada nas mãos de monarcas e clérigos.
A sociedade atual está organizada social, econômica, cultural e politicamente com a finalidade de desenvolver ad infinitum o modo de produção sustentado por um sistema econômico voltado exclusivamente para obtenção do lucro e a progressiva e inesgotável acumulação de riquezas. O Estado é o ente que está posicionado acima de todos, mas não é exercido em nome de Deus e nem de nenhum monarca real, pois precisa garantir a funcionalidade da sociedade. Tudo isso na perspectiva da propriedade privada dos meios de produção (centrado na terra, capital e trabalho), cada vez mais baseado no uso em larga escala de tecnologias, maquinários e conhecimentos científicos.
Este modelo de sociedade da era moderna está estribado no conceito de civilização burguesa, voltado para manutenção de privilégios à camada social que controla socioeconômica, cultural e politicamente a sociedade, formada por industriais, latifundiários, banqueiros, mega comerciantes e rentistas (quem vive exclusivamente de rendimentos extraídos de investimentos financeiros). Mas, nem sempre a burguesia fora uma classe constituída em seu nascimento, portanto não tinha acesso ao bureau de decisões políticas, restrito ao poder político centralizado nas mãos do clero e da nobreza. Era relegada ao terceiro plano, ou melhor, ao terceiro estado.
Essa expressão ‘terceiro estado’, surge antes de eclodir a Revolução Francesa de 1789, ainda no período monarquista na Europa, sobretudo na França e em Portugal, e serve para designar a posição da recém surgida burguesia em relação a sua inexpressiva posição social. Pois, a burguesia compunha a esfera de pessoas sem nenhum prestigio, que não tinham acesso a esfera de poder no âmbito das decisões políticas porque não pertenciam ao Clero que exercia a função de poder de Primeiro Estado, nem da nobreza que exercia a função de poder de Segundo Estado. | * Herberson Sonkha foi professor de Filosofia e Sociologia de cursinhos da rede privada em Vitória da Conquista. Estudou Ciências Econômicas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), mas não concluiu. Foi gestor administrativo lotado no Hospital de Base de Vitória da Conquista. Foi do Comitê Gestor da Secretaria Municipal de Educação de Anagé. Presidiu o Conselho Municipal de Educação de Anagé. Coordenou o Programa Municipal Mais Educação e a Promoção da Igualdade Racial do município de Anagé. Foi Vice-Bahia da União Brasileira de Estudante (UBES) e Coordenador de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Vitória da Conquista (UMES). Militante e ex-dirigente nacional de Finanças e Relações Institucionais e Internacional dos Agentes de Pastorais Negros/Negras do Brasil. Membro dirigente do Coletivo Ética Socialista (COESO) organização radical de esquerda do Partido dos Trabalhadores. Atualmente é militante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é dirigentes municipal e estadual da corrente interna Fortalecer.