Ao menos uma das vinícolas gaúchas envolvidas no uso de trabalho escravo está se reunindo com bancos: a Salton.
Caso a empresa seja condenada e entre na “Lista Suja” de trabalho escravo, os bancos são obrigados a cortar linhas de crédito. O motivo primeiro, então, é a própria sobrevivência. A peregrinação pra evitar que o dinheiro suma está sendo feita pelo próprio presidente da empresa, Daniel Salton, e pelo CFO (tesoureiro, em linguagem humana) Marcelo Lucchese. As informações me foram passadas por uma fonte anônima.
Antes de mais nada: eu não desejo que essas empresas quebrem. Esse punitivismo inconsequente estilo Lava Jato destruiu nosso setor de construção pesada e também boa parte da nossa cadeia de petróleo. (Ironicamente, alguns empresários agora enrolados nesse caso foram e ainda são 100% a favor desse tipo de perseguição penal insana.)
Vale lembrar que a Lava Jato acabou com 4,4 milhões de empregos e o Brasil perdeu 40 vezes mais dinheiro do que foi recuperado pelo desastre do falso “combate à corrupção”. (estudo do Dieese)
Mas entre a impunidade e a destruição de um setor produtivo há justamente o terreno que deve ser explorado pela Justiça. E parece que estamos diante de um triste caso com sabor de impunidade.
Pra começar: o presidente da Salton abriu algumas dessas conversas se mostrando muito descontente com a imprensa. Quando sua maior indignação é contra quem denunciou um casso nojento como esse, do qual sua empresa se beneficiava financeiramente – mesmo que você alegue ignorância, como alega –, bem, não preciso dizer muito.
Bastidores da reunião
O CFO Marcelo Lucchese fez uma linha do tempo detalhada sobre o tema para explicar aos bancos a situação do ponto de vista da vinícola. A Salton, disse ele, contratou a empresa terceirizada uma única vez, para duas noites e dois dias de descarga durante a colheita da uva. Na avaliação dele, o caso passou batido em meio às contratações feitas nessa época do ano.
Teriam sido 14 pessoas que trabalharam para a Salton nesse caso. Segundo o CFO, a Salton não conseguiu vincular nenhuma dessas pessoas aos resgatados. Ainda assim, a Salton já pagou a rescisão contratual desses trabalhadores.
Impunidade
Durante a reunião, ouviu-se que a Salton está costurando um Termo de Ajustamento de Conduta com as autoridades. O bom disso? Elas terão que se comprometer com diversas ações para evitar casos futuros como esse. Uma carta já foi divulgada sobre as intenções da vinícola, que faturou R$ 500 milhões em 2022 – mas que não consegue encontrar mão de obra, segunda o Centro da Indústria e Comércio de Bento Gonçalves, por culpa do Bolsa Família.
CARTA ABERTA À SOCIEDADE BRASILEIRA
Lista dos compromissos da Salton para evitar o uso de trabalho escravo.
O ruim: elas não serão multadas e nem punidas
Pela gravidade do que aconteceu na serra gaúcha, o cheiro de pizza é inevitável, sobretudo porque a Constituição Brasileira prevê até mesmo expropriação de terras e imóveis urbanos que façam uso de mão de obra escrava, sem indenização aos donos. De um extremo ao outro, a conta pode sair muito, mas muito barata para as vinícolas.
O Termo de Ajustamento de Conduta ainda não foi assinado. A expectativa é de assinatura ainda esta semana.
A Salton contratou o Escritório Machado Meyer (advocacia) e a Máquina de Notícias (gestão de crise/imprensa) para assessoramento no caso. | *Leandro Demori (São Miguel do Oeste, 06 de janeiro de 1981) é um jornalista e escritor brasileiro especializado em jornalismo investigativo com ênfase em sistemas mafiosos. Foi editor-executivo do site The Intercept Brasil, de 2017 a 2022.