ARTIGO – O bandido bom e as selfies com Eike Batista

O bandido bom e as selfies com Eike Batista
Por Daniel Kessler de Oliveira
Recebo do amigo e brilhante professor Cássio Benvenutti uma reportagem que mostra brasileiros tirando selfies com Eike Batista no aeroporto de Nova York.
Bom, creio que todos sabem, pelo tanto que fora divulgado que o empresário brasileiro teve sua prisão preventiva decretada e embarca para o Brasil com rumo certo para um estabelecimento prisional.
Mas e por que razão brasileiros tietam um indivíduo com uma prisão preventiva decretada e que está se entregando para a polícia?
A mesma reportagem destaca provocações, xingamentos por parte de outras pessoas, mas revela, também, muitos que elogiavam o empreendedorismo do milionário brasileiro.
Pois bem, não adentrarei aqui na seara das acusações que pesam sobre ele, tampouco da decisão que decretou a sua preventiva, por não ser este o foco que pretendo trabalhar.
O que quero refletir, para tentar alcançar alguma possibilidade de compreensão, é o porquê da existência de um filtro de seletividade na definição do bandido para grande parcela de nossa sociedade.
Por que uma sociedade repleta de cidadãos de bem, que enchem a boca e estufam o peito para bradar frases como: bandido bom é bandido morto ou a clássica: direitos humanos para humanos direitos, chegando a mais nova e vergonhosa: menos corrupção e mais chacina não sente a mesma ojeriza quando se trata de um bandido do naipe de Eike Batista?
Simples. Vivemos em uma sociedade doente, por diversos fatores, mas uma sociedade extremamente dependente e escrava do capital, onde o dinheiro tudo compra, inclusive o respeito.
O mesmo cidadão capaz de enaltecer as virtudes de Eike Batista e cumprimentá-lo pelos seus feitos é capaz de vibrar com o linchamento público de um jovem que tenha sido pego furtando algum objeto ou com os números de mortos nas chacinas em prisões.
Não se trata de defender nenhuma das condutas, as pessoas que cometeram crimes devem sofrer o devido processo e receber a justa punição, independente de quem sejam.
Mas é comum vermos como o ódio ao bandido na maioria das vezes se projeta como mais uma das faces do ódio aos pobres, aos menos favorecidos.
Os ditos cidadãos de bem não se projetam no jovem da favela, mas deliram na possibilidade de se projetar em um indivíduo como Eike Batista.
Um indivíduo como Eike é o que eles querem ser, é o que sonham em representar, pelo que ele fez? Não, mas pelo que ele tem (ou teve).
Uma sociedade em que trata bem as pessoas pelo que elas têm, sendo irrelevante se o caminho percorrido fora lícito ou ilícito.
Quantas vezes ao questionarmos o ganho de alguém, não somos taxados de invejosos ou ao duvidar do ganho lícito de alguma pessoa não somos surpreendidos com frases do tipo: Mas ele tá rico e tu?
Isto são faces de mais uma dentre tantas doenças sociais que as redes sociais não criam, mas escancaram, os fins justificam os meios e tudo é válido nesta corrida insana em busca do dinheiro e do poder.
Obviamente que aqui não tem nenhum discurso hipócrita de ódio ao dinheiro, todos queremos conquistas em nossas profissões e não é feio almejar uma boa ou ótima condição financeira, mas como nos ensinou Frejat: é preciso dizer, ao menos uma vez, quem é mesmo o dono de quem.
Ou seja, nesta sociedade submissa ao dinheiro, o bandido pobre merece a morte, o ódio, a prisão apodrecida, enquanto o bandido rico, no fundo recebe minha inveja, minha ira por não ter sido eu a viver aqueles momentos e obter aqueles ganhos.
Um vizinho traficante, corrupto, sonegador, que me convidar para passear no seu iate e me proporcionar alguns momentos de pura felicidade ganhará o meu respeito e tudo o que ele tenha feito de errado será secundário e aqueles que tentarem me alertar, serão recalcados que não tiveram os méritos deles.
E, infelizmente, assim segue a vida em terrae brasilis, com argumentos e jargões carregados de doses cavalares de hipocrisia e contradição entre eles próprios.
Esta reflexão não tenta bradar a pena de morte ao Eike Batista, como não a defende em nenhuma outra hipótese, também não acho que ele deve ser recolhido ao presídio nas condições dos nossos estabelecimentos e sofrer com uma chacina, apenas não entendo o seu trato como herói, justamente pelas pessoas que tanto querem matar os bandidos.
Esta reflexão serve mais uma vez para que não nos deixemos cair na sedução do discurso pronto e falacioso do cidadão de bem.
Primeiro, quem define quem é o cidadão de bem? bandido bom é o bandido morto, mas quantos cidadãos de bem também não são bandidos. Ah, mas o meu crime é diferente, dirão eles. Sim, sempre é diferente, sempre há uma justificativa.
O problema, que precisamos enxergar, é que tudo não passa de uma forma de punir e de esconder através de uma política encarceiradora: o pobre.
Uma leitura atenta do Código Penal e das leis dos crimes tributários nos permite ver qual o bem jurídico que recebe maior tutela, porque um furto recebe um tratamento mais severo do que uma enorme sonegação, dentre tantas outras passagens que evidenciam isto.
O Direito Penal foi feito para punir o pobre e esta grande parcela da sociedade ou não enxerga isso ou, pior, enxerga e concorda, mas por falta de coragem de defender em voz alta, finge que não vê.
E, assim seguimos, bradando o horror à criminalidade e tirando selfies com acusados de crimes, enaltecendo a seletividade social de nosso ódio.

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