A matriarca começou sua vida na cidade grande como camelô estendendo uma lona preta jogada sobre o calçadão da feira, e, sobre ela, vários utensílios de cozinha e outras mercadorias esparramadas para a freguesia escolher. Conhece a necessidade e força do grito para sobressair no meio da feira-livre lotada de pessoas comprando e vendendo.
O império construído pela família (Lemos) começou assim, de baixo. Subindo degrau, por degrau. Qualquer pessoa atentar que teve oportunidade para conversar com a matriarca de origens campesinas perceberá a simplicidade que assinala presença viva dos traços de suas reminiscências, fincados em raízes profundas. Esses traços marcantes ainda estão presentes em suas narrativas, mesmo tendo chegado aonde chegou.
O mesmo não se diz de sua descendência que herdou sem fazer nenhum esforço à prefeitura da terceira maior cidade da Bahia. Obvio que não vivenciou um milésimo de segundo da luta da matriarca, imagine se essa senhora tivesse hoje que vender umbu medido e pesado numa lata de óleo, cuja mercadoria ficasse exposta em uma banca madeira encima de uma galeota, tendo que gritar “olha o umbu doce!”. Principalmente depois de ler a entrevista dessa senhora em alguns blogs da cidade, não consigo imaginar essa cena.
É compreensível que os pais queiram dar aos filhos aquilo que não teve acesso, é o instinto humano de proteção e defesa falando mais alto. Mas, se não for dosado na medida certa poderá blindar os filhos(as), isolando-os da vida real repleta de contradições, sofrimentos e privações.
Mas, talvez tenha negligenciado alguma coisa na educação domestica, no sentido de regar as raízes dessa arvore frondosa para que os filhos(as) pudessem desfrutar dos frutos, das sombras e da brisa dessa linda arvore, sem querer derrubá-la, antes anseia por preservá-la.
Verdade seja dita. A certa altura, essa senhora deixou de olhar para baixo porque seu nariz na posição longitudinal inclinada a impedia de ver quem estava em baixo e passou a pisar naqueles que outrora fora colegas de profissão de sua matriarca. Alguns chamam isso de vaidade, eu prefiro acreditar que seja ausência de formação crítica de mundo que interrompe o fluxo de oxigênio no cérebro e a pessoa envelhece rapidamente chafurdada no sangue venoso, mesmo sendo tão jovem.
Cortaram-se as ligações nervosas com o mundo sensível, perdendo as suas ligações emocionais com as reminiscências da família. Não sebe de onde veio. Não faz qualquer sentido as reclamações e reivindicações de um monte de camelôs que nunca existiram na memória de alguém que desconhece qualquer relação ética sentimental com o submundo da informalidade. Por que alguém que recebeu no colo uma prefeitura iria se ocupar com essas pessoas?
Os mais velhos dizem com muita sabedoria que o que “os olhos não veem o coração não sente”, por isso tanta indiferença e injustiça para com os camelôs do Terminal da Lauro de Freitas. Da varanda da mansão não se vê a miséria que assola a periferia e nem o sofrimento de quem precisa sustentar a família vendendo produtos encima de um tabuleiro sobre um carrinho em baixo do sol a pique. Essa pessoa nunca vai entender isso.
| * Herberson Sonkha foi professor de Filosofia e Sociologia de cursinhos da rede privada em Vitória da Conquista. Estudou Ciências Econômicas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), mas não concluiu. Foi gestor administrativo lotado no Hospital de Base de Vitória da Conquista. Foi do Comitê Gestor da Secretaria Municipal de Educação de Anagé. Presidiu o Conselho Municipal de Educação de Anagé. Coordenou o Programa Municipal Mais Educação e a Promoção da Igualdade Racial do município de Anagé. Foi Vice-Bahia da União Brasileira de Estudante (UBES) e Coordenador de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Vitória da Conquista (UMES). Militante e ex-dirigente nacional de Finanças e Relações Institucionais e Internacional dos Agentes de Pastorais Negros/Negras do Brasil. Membro dirigente do Coletivo Ética Socialista (COESO) organização radical de esquerda do Partido dos Trabalhadores. Atualmente é militante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é dirigentes municipal e estadual da corrente interna Fortalecer.