“A PRESSÃO DAS GRILHETAS”, A ESCRAVIDÃO E AS LEIS RIGOROSAS DE PENAS DE MORTE E TRABALHOS FORÇADOS. (LEIA AQUI A PARTE I)
O cerco começou mesmo a se fechar contra eles entre o meado do século XVI até o final do século XVIII e início do XIX, um dos períodos mais tenebroso para os ciganos na França (Tsiganes), na Alemanha (Zigeuner), na Espanha (Gitanos), na Inglaterra (Gipsies), na Hungria (Czingaros), na Holanda e outros países, conforme narra o escritor Angus Fraser, no capítulo “A Pressão das Grilhetas”, no livro “História do Povo Cigano”.
Esse povo continuou a ser visto como criminoso por causa da sua posição na sociedade. Os preconceitos raciais (pele escura) e as hostilidades religiosas ficaram mais arraigadas, com condenações como vagabundos, mendigos e por práticas pagãs de feitiçarias. Sem domicílio fixo, eram considerados como inúteis. Para as autoridades, os ciganos tinham que ser corrigidos através da coerção e pela pressão das grilhetas (galés).
Quando os ciganos ofereciam serviços legítimos à população, como assinala o autor do livro, corriam o risco de atrair a má vontade de mercadores e artesões ambulantes que violavam os monopólios locais. Temiam ainda pela repugnância que suas ocupações de funileiros, bufarinheiros e saltimbancos suscitavam nos detentores do poder.
LEIS E PENAS MAIS RIGOROSAS
Contra eles, as leis foram se multiplicando, e as penas tornando-se mais rigorosas. Na Inglaterra, os anos 1550 a 1640 corresponderam ao auge da atividade contra os “homens sem dono”. Em 1554, no reinado de Filipe e Maria foi promulgada uma lei que os tratavam de malignos e abomináveis.
As leis de 1530, de Henrique VIII, da Inglaterra, foram agravadas. Quem trouxesse ciganos para o país seria multado, e o transportado que ficasse por um mês, era considerado criminoso. Só escapava do castigo quem abandonasse “essa ociosa e ímpia vida”. Todas as licenças e passaportes adquiridos (usados pelos egípcios) foram anulados.
Ainda como parte das leis, quem andasse na companhia “desses vagabundos ou falsificadores de documentos” seria morto e suas terras confiscadas. Muitos foram considerados culpados e enforcados. Em 1596, mais de 100 ciganos foram sentenciados à morte. A última vez que na Inglaterra enforcaram pessoas, simplesmente por serem ciganas, “parece ter sido em 1650”.
O decreto de 1572 foi o mais duro de todo o reinado de Isabel (lei para o castigo de vagabundos). Nele, pessoas com idade de 14 anos, ou mais, seriam chicoteadas e queimadas as cartilagens das orelhas com ferro em brasa. Os filhos, entre 5 e 14 anos, podiam ser entregues ao serviço de outro, se tornando escravos por cerca de 19 anos.
A lei da vagabundagem, de 1822, estabelecia que todas as pessoas que se digam ciganas, leitoras das mãos, habitantes de tendas e carroças são consideradas bandidas, com pernas de seis meses de prisão, Só em 1824, a referência que se especificava diretamente a ciganos, foi abandonada.
Na Escócia, de Maria Stuart, de 1574, as penas eram parecidas e rigorosas. Nelas continham espancamentos, queima de orelhas e execuções. É bom lembrar, como cita o autor do livro, que sempre existiam conflitos entre clãs de ciganos, mas as autoridades pouco se importavam, com intenções de que eles mesmo fossem exterminados entre si.
“LEI DOS EGÍPCIOS” E AS GALÉS
No reinado de Jaime VI (1579), e mesmo em 1597, surgiram novas leis ainda mais duras. Em 1609, foi criada a “Lei dos Egípcios” que tratava da pena de morte e bania os ciganos. No entanto, aquele que desempenhasse alguma função deixaria de ser criminoso. As mulheres apanhadas sem filhos seriam enforcadas, e as com filhos, chicoteadas e queimadas nas faces. A última vez que a pena de morte foi aplicada na Escócia a uma pessoa apenas por ser cigana foi em 1714
Na França, a repressão levou mais tempo. Eram barradas as entradas de ciganos. Mesmo assim, Henrique IV convidou, em 1607, um bando de ciganos artistas para dançarem com ele em sua corte. Foi um dos países que mais endureceu as penas e castigos, jogando os ciganos nas galés dos navios até a morte, para soerguer sua marinha.
Em meados do século XVII, Luis XIV (ainda na menoridade), as leis ficaram mais rígidas, com sistemas severos no governo absoluto. Os regulamentos de 1666 determinavam que os ciganos deviam ser detidos e postos a ferro nas galés, sem nenhum processo jurídico. No reinado de Luis XIII, com o cardeal Richelieu, as perseguições também foram constantes.
O ponto mais alto foi o decreto de Luis XIV, em julho de 1682, onde os homens eram enviados para as galés, acorrentados nos pés e pescoços, por toda vida. Os rapazes de menor idade eram conduzidos para os hospícios. As mulheres tinham suas cabeças raspadas. Se persistissem no nomadismo, elas eram açoitadas e banidas do reino.
A Enciclopédia de Diderot definia como vagabundos todos aqueles que praticavam a profecia através da leitura das mãos. Em sua tradução, o talento dos ciganos se resumia a cantar, dançar e roubar. Em 1786, o governo tentou negociar com os ciganos, mas de uma maneira opressiva que praticamente nada restava para sua gente, a não ser se submeter às duras regras.
Como viviam o tempo todo sob pressão e acuados, para alimentar seus familiares, os ciganos partiam para a extorsão. Mesmo assim, estavam dispostos a se submeter ao governo e aceitar trabalho, desde que não fossem presos. Foi aí que surgiu a ideia de mandar os ciganos para as colônias nas Américas.
Com a força opressora dos governos, aumentaram também as ações de brutalidades e a incidência de crimes. Na Alemanha, por exemplo, foi uma época de “caça aos ciganos”, isso por volta de 1720. Na Holanda as perseguições duraram do século XVI a 1806.
No império germânico (Casa dos Habsburgos), o volume de legislação anti-ciganas superou o resto da Europa, com cerca de 133 diplomas no período de 1551 a 1774. Em meio a tudo isso, houve a Guerra dos Trinta Anos, cujo tratado de paz aconteceu em 1648, quando a Alemanha passou de 20 milhões de habitantes para 13 milhões.
O Sacro Império Romano passou a ser Império Habsburgo (austro-húngaro). Em 1616, o governador imperial da Hungria, Gyorgy Thurzó, assinou um salvo conduto que se referia ao voivoda Franciscus e sua companhia, que dizia prestar serviços militares, com apelo geral à compreensão da situação dos ciganos. Afirmava que a tão desgraçada raça egípcia, a que chamamos de Czingaros é merecedora de piedade.
Esse salvo-conduto ainda assinalava que essa vida sofredora dos ciganos podia ter sido causada pela tirania do faraó, ou ditado pelo destino. “Estão habituados a viver uma vida muito dura, nos prados e nos campos, fora das cidades e sob tendas esfarrapadas. Aprenderam a suportar chuva, frio e calor”.
Thurzó recomendou que as pessoas permitissem aos ciganos instalar-se em suas terras, erigir suas tendas e praticar a arte de ferreiro, e os protegessem daqueles que quisessem fazer-lhes mal. No entanto, as coisas se alteraram quando a Áustria conquistou a Hungria pelo final do século XVII. Foi então que em terras Habsburgo ocorreram mudanças drásticas durante o reinado da imperatriz Maria Tereza (1740 a 1780).
Seu pai Carlos VI foi um incansável nas hostilidades, e a imperatriz seguiu seus exemplos, ordenando a expulsão dos nômades e protegendo os sedentários com títulos de condes e músicos da corte. A Hungria foi devastada nos conflitos entre habsburgos e turcos. Em 1758, Maria assinou termo de assentamento dos ciganos, e a prestação de serviços compulsórios para os donos de propriedades. Os ciganos não podiam sair sem licença. Ela acabou com a designação cigana a favor de Ujmagyar (húngaros novos).
Em 1767 foram proibidos de usar seus vestuários, falar sua língua e ter sua ocupação própria. Em 1773 veio o fim da sua identidade e realizar casamentos entre eles. Uma mulher que casasse com um gadjó tinha que apresentar provas de bons serviços domésticos e familiaridade com a doutrina católica.
As crianças com mais de cinco anos eram obrigadas a serem educadas por famílias não ciganas. Seu filho José II prosseguiu com sua política de integração forçada. Claro que os ciganos reagiram e não aceitaram a divisão de suas famílias. Na Prússia de Frederico, o Grande, na década de 1830, as medidas foram ao extremo, com trabalhos forçados. | *Jeremias Macário é jornalista, escritor e compositor
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