ARTIGO ESPECIAL | Elomar, uma obra incontestável de um autor controverso

Foi lá pelos idos de 1979 que a música de Elomar Figueira de Mello nos alumbrou. Para nós ali, jovens músicos e universitários, talvez tenha sido ele o nosso primeiro encontro mais íntimo com a genialidade. A sua música é deslumbrante. Ele se encontra entre os mais singulares artistas brasileiros.

Um caldeirão irresistível que mistura a trova medieval, cantos ibéricos à oralidade do sertão nordestino, Elomar é, sem medo de exagerar, uma espécie de Guimarães Rosa da canção brasileira.

Suas canções têm melodias belíssimas e bem estruturadas, ponteadas por seu violão de formação erudita e letras repletas de neologismos, expressões do Brasil profundo, um quase dialeto da catinga.

Seus personagens são cavaleiros andantes, reis em castelos, mocinhas desprotegidas, o sertanejo que foge da seca e da miséria. Sua canção “Chula no Terreiro” é um épico de indescritível beleza sobre a saga os retirantes que deixam tudo para trás “Pra i corrê o trêcho no chão de Son Palo”, como ele mesmo grafa, no idioma sertanês.

Após se formar em arquitetura (realizou mais de 400 projetos na área da Sudene), Elomar retornou à Vitória da Conquista. Desde a década de 80, prefere viver quase recluso entre a Fazenda Gameleira, que ele chama de Casa dos Carneiros, imortalizada na música “Cantiga do Amigo”, e na Fazenda Duas Passagens que se localiza na bacia do Rio Gavião e na Fazenda Lagoa dos Patos, na Chapada Diamantina.

O avesso do artista

Seu comportamento é o avesso do que se pode chamar de um artista. Nunca fez questão de fazer grandes gravações comercias. Seus discos são todos gravados de maneira precárias, com sons naturais da fazenda ao fundo. Viajou durante um tempo com Vital Farias, Xangai e Geraldo Azevedo no que talvez tenha sido o seu maior sucesso comercial, gerando os álbuns da série “Cantoria”.

No mais, quem quiser ouvir sua música tem que ser meio garimpeiro mesmo.

A despeito de sua genialidade – e pra mim é difícil tocar nesse assunto diante da grandeza de sua obra –, Elomar emite opiniões, no mínimo, controversas. Criticou a indicação de Gilberto Gil para o ministério da Cultura, em 2003, foi um dos primeiros a alertar para a “possibilidade” da bandeira brasileira se tornar vermelha nos anos petistas e, ao fim e a cabo, disse recentemente que o coronavírus é um vírus chinês.

O travo amargo diante da enorme distância entre a obra e as opiniões do mestre não consegue, no entanto, apagar de forma alguma sua importância enquanto artista. Ele não é o primeiro e nem será o último, vide Fagner e Zé Ramalho, só pra ficar em alguns exemplos.

Que o leitor faça então um pequeno exercício de tolerância e independência e mergulhe na obra de Elomar Figueira de Mello. Entre seus poucos álbuns, realizados de maneira modesta, estão algumas das maiores obras da música popular brasileira. |Fórum.

 

 

 

 

 

 

 


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