A retórica de “sangrar o governo” revela uma dinâmica perversa na política brasileira, onde o interesse nacional é subvertido em nome de jogos de poder e barganhas mesquinhas. A frase, cunhada nos bastidores da oposição, não se limita a uma mera tática política; ela escancara uma profunda crise de valores e uma visão distorcida do Estado e da sociedade.
Ao analisar essa situação sob uma ótica filosófica de esquerda, torna-se evidente que Lula, em sua tentativa de “consertar o país”, se vê cercado por forças que não apenas o antagonizam, mas que, em essência, são inimigas do próprio projeto de nação. A imagem do governo sendo “sangrado” é particularmente chocante, pois implica um ataque deliberado e prolongado, visando enfraquecer e exaurir o corpo político.
O mais grave é que essa “hemorragia” não atinge apenas o presidente ou o Partido dos Trabalhadores, mas o próprio país. É um auto flagelo, uma forma abjeta de autodestruição disfarçada de estratégia política. O meu texto original capta essa ironia trágica ao questionar: “sangrar a quem mesmo?”.
A resposta é clara: o sangue que escorre é o do povo brasileiro, das políticas públicas que poderiam transformar vidas, do futuro que se esvai em meio a disputas tacanhas.
Essa dinâmica revela uma patologia social em que a eleição de seus próprios inimigos se torna um sintoma. A pergunta “O que querem!? Que Lula se imole, que vire um herói num Estado anti-PT?” não é retórica; ela aponta para a profunda aversão de certos setores a qualquer projeto que vise a inclusão social e a redução das desigualdades.
O antipetismo, transformado em ideologia, muitas vezes transcende a crítica política legítima para se tornar uma força destrutiva, capaz de sacrificar o bem-estar coletivo em nome de uma agenda particularista.
A ideia de que o objetivo não é o conteúdo de um decreto, mas o “desgaste político como moeda de troca pela liberação de emendas parlamentares”, é a epítome da degeneração da política em mercadoria.
O Estado, que deveria ser o garantidor do bem comum, é reduzido a um balcão de negócios onde interesses corporativos e individuais se sobrepõem às necessidades da população. As emendas parlamentares, instrumentos legítimos para a alocação de recursos, transformam-se em moeda de chantagem, um meio de paralisar o governo para obter ganhos pessoais ou setoriais.
Para um pensamento de esquerda, essa situação expõe a crueza da luta de classes velada no jogo político. O “sangramento” do governo Lula não é um ataque pessoal, mas um ataque a um projeto que busca, ainda que com todas as suas contradições, redistribuir riqueza, fortalecer o Estado social e combater as desigualdades. Os “inimigos no entorno” não são meros adversários políticos; são representantes de forças que se beneficiam da manutenção de um status quo de privilégios e desigualdades.
A minha sugestão provocativa de que Lula deveria “renunciar à sua presidência, pra definitivamente conhecemos um caos que tentaram nos impor na pandemia” é um grito e uma denúncia da cegueira de uma parte da oposição. Eu aponto para a ironia de que aqueles que criticam o governo podem, em sua busca por desestabilização, acabar por precipitar um cenário muito pior do que qualquer um deles é capaz de imaginar.
O caos da pandemia, que revelou a fragilidade das estruturas sociais e a importância de um Estado atuante, serve como um lembrete sombrio do que acontece quando a política se dobra aos interesses destrutivos.
Lula, como um Quixote moderno, enfrenta moinhos de vento que não são apenas ilusões, mas estruturas concretas de poder arraigadas.
Sua batalha por um Brasil mais justo e equitativo é travada não apenas contra adversários ideológicos, mas contra uma lógica de desvalorização da política e do bem comum. A questão que se impõe, então, não é se Lula vai “sangrar” ou não, mas se o país terá a capacidade de resistir a essa hemorragia autoimposta e construir um futuro que transcenda a mesquinharia dos bastidores do poder.
__
*Joilson Bergher, educador Brasileiro.
Os textos assinados não necessariamente refletem a opinião do site Sudoeste Digital.