ARTIGO | A cultura de morte vem de longe (Padre Carlos)*

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Imagens: Redes sociais/Internet

Uma das políticas mais perversas implantadas no Brasil foi à chamada “Limpeza da Cidade” adotada por Carlos Lacerda, então governador do Estado da Guanabara. A ideia do político (segundo investigações de uma CPI) era acabar com os mendigos do Centro e Zona Sul do Rio de Janeiro com uma solução simples: matando-os.
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No começo de 1963 uma equipe do jornal a Última Hora, liderada pelo Luarlindo Ernesto Silva, seguiu um comboio policial e flagrou agentes jogando mendigos de cima de uma ponte. Os jornalistas conseguiram salvar uma das vítimas, e realizou, partindo de seu depoimento, uma série de matérias jornalisticas denominadas: Política do Mata-Mendigos.

A relatoria da CPI, aberta para investigar o caso, encontrou mais de 50 casos de desaparecimentos de moradores de rua, o número só não foi maior, pela dificuldade de identificar esses indivíduos. Com o Golpe Civil-Militar de 1964 a CPI foi arquivada.

O mais impressionante de toda a história é que parte da população apoiou a política de Lacerda.

Com a entrada dos militares no poder em 1964, e com a ajuda da legitimação popular, a partir do discurso de políticos como Carlos Lacerda, grupos de policiais passaram a agir por conta própria, sem nenhum padrão legal, matando meliantes perigosos, com passagens na polícia, ou simplesmente pessoas que segundo o julgamento das autoridades policiais teriam potencial para virar criminosos.

Os esquadrões da morte passaram a ganhar fama nas ruas, matavam e colocavam sobre o cadáver um cartaz com o nome e uma caveira para deixar claro quem havia feito o serviço.

A chacina da Candelária aconteceu em 1993 no Rio de Janeiro, em frente à Igreja da Candelária, e chocou o mundo. Na madrugada do dia 23 de julho, policiais à paisana abriram fogo contra mais de 40 meninos de rua que dormiam nas escadarias da igreja, no Centro da cidade. Oito crianças morreram e dezenas ficaram feridas. Três policiais foram condenados pelo crime e dois foram absolvidos.

Os “meninos de rua” eram considerados, principalmente por comerciantes das redondezas, como delinquentes e entraves ao turismo na região. O que facilitou a legitimação dos assassinatos por parte da população.

Em pesquisa do Jornal do Dia na época, 70% das pessoas declararam que apoiavam os polícias suspeitos de cometerem a chacina, alegando que as crianças e adolescentes mortos eram bandidos.

Mesmo com a condescendência de parte dos brasileiros, o crime teve repercussão negativa internacionalmente, o Brasil chegou a sofrer sanções econômicas e o governo do Rio de Janeiro foi cobrado pela Organização das Nações Unidas. A cobrança requisitava ações para descobrir e processar efetivamente os autores da barbárie. 

O Brasil vive numa fronteira entre a barbárie e a civilização. Nunca se viu tanto ódio e descaso com a viva. A força dos estúpidos que apoia este projeto de civilização vem junto com ela à cultura mórbida da morte. Os gestos de matar, se utilizando até de crianças, os gritos de guerra, a pregação de que todo brasileiro deve ter uma arma em casa, emergi-o no país um novo brasileiro junto com esta nova cultura.

Este sentimento de ódio e desprezo pelos pobres não é novo, pelo contrario, ele esta no inconsciente coletivo e na cultura de classe do Brasil. A classe média e a burguesia brasileira nunca suportaram ver os mendigos e os meninos de rua “invadindo” o espaço sempre exclusivo que eles frequentam, querem que eles sejam invisíveis como os seus criados.

Desta forma, podemos constatar por que a opinião pública aplaude estes crimes, alegando que as crianças e adolescentes mortos eram bandidos.

O que há de semelhança entre as mortes dos mendigos no Governo de Carlos Lacerda e os meninos da Candelária?  Primeiro, a forma bárbara como as vítimas foram mortas. Por mais frio que seja um ser humano, não conseguirá ficar indiferente aos acontecimentos. 


Os meninos, executados a sangue frio! Os dois, indefesos: dezenas de moradores de rua sendo exterminadas, crianças sendo executada de forma barbara.

Nas duas situações, o sofrimento das vítimas não sensibilizou seus algozes! Assim como os mendigos no início da década de sessenta, os “meninos de rua” eram considerados, principalmente por comerciantes das redondezas, como delinquentes e entraves ao turismo na região. O que facilitou a legitimação dos assassinatos por parte da população.

Esta realidade desperta, antes de qualquer análise, a necessidade de identificar a situação social, política, econômica e étnica das vítimas e de seus respectivos assassinos. De antemão é importante deixar claro que, os dois casos, aqui exposto, bem como qualquer outro ato violento, merecem veemente repúdio.

Assim, podemos perguntar para esta sociedade que se diz civilizada, quem matou todas estas pessoas? O sangue destas vitimas estão escorrendo nas mãos de todos os homens e mulheres de “bem”.


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* (Padre Carlos Roberto Pereira, de Vitória da Conquista, Bahia, escreve semanalmente para esta coluna)

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