ARTIGO | Amores clandestinos e o celibato (Padre Carlos)*


Não podemos negar que durante vários séculos, a Igreja com seus fiéis e toda a sua hierárquica, viveram obcecados com o primado da moral sexual, e quando era confrontada com os escândalos sexuais no seu próprio seio, buscavam esconder e os próprios leigos eram um elo ou parte desta correia de transmissão onde tudo era apagado e reparado.

Primeiro, foram os vários escândalos de pedofilia. Mais recentemente, são as “namoradas” de padres que vêm denunciar os abusos de que foram ou são vítimas.

Um conceituado jornal norte americano acaba de fazer uma investigação sobre o drama das mulheres que, sem qualquer apoio, foram abandonadas ou obrigadas a viver relações clandestinas e o que é mais grave, se esconderem e criar sozinhas os filhos que geravam nesta relação.

A Igreja é obrigada agora a se confrontada com esses dramas das mulheres que sofreram e sofrem a violência sexual, emocional e espiritual do clero. Assumir a responsabilidade pelos meus próprios erros deveria ter sido a postura destes padres.

Apesar de reconhecer, estes deveriam também admitir, que aquela relação não era plenamente consensual, pois havia uma diferença de poder entre o padre e ela.

Mesmo sabendo que é difícil saber o número de casos no mundo, podemos imaginar que existam milhares de mulheres nesta situação, que tenha vivido ou vivendo uma relação sexual abusiva e com filhos mantidos em segredo.

Nos últimos anos, foram feitos estudos que comprovam que apenas 40% do clero pratica o celibato. Não faz muito tempo que comentei em um artigo sobre o sociólogo Javier Elzo, da Universidade jesuíta de Deusto, em artigo Padre Elzo escreveu que 80%, ou mais, do clero africano, padres e bispos, têm uma vida sexual igual à dos outros africanos.

Claro que todas estas questões, em relação à Igreja e seu clero, exigem reflexão profunda, incluindo o problema das comunidades cristãs que têm direito à celebração da Eucaristia e não se ver satisfeita por causa da falta do clero.

Hoje, os historiadores sérios não têm dúvidas de que Jesus foi celibatário. É pura “lenda de romance” pretender que Jesus foi casado com Maria Madalena, esclarecia ainda recentemente um dos maiores especialistas em cristianismo primitivo, Antonio Piñero, que não é crente, mas agnóstico. Mas Jesus não impôs a lei do celibato a ninguém.

Mais: teve discípulos, como São Pedro, que eram casados. São Paulo foi igualmente celibatário, mas também não invocou essa lei; pelo contrário, pergunta na Primeira Carta aos Coríntios, 9, 5: “Não temos o direito de levar conosco, nas viagens, uma mulher cristã, como os restantes Apóstolos, os irmãos do Senhor e Cefas?”

Na Primeira Carta a Timóteo, lê-se: “É necessário que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, ponderado, de bons costumes, hospitaleiro, capaz de ensinar, que não seja dado ao vinho, nem violento, mas condescendente, pacífico, desinteressado, que governe bem a própria casa, mantendo os filhos submissos, com toda a dignidade.

Pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará ele da Igreja de Deus?” E a recomendação é repetida na Carta a Tito, 5-6: “Deixei-te em Creta, para acabares de organizar o que ainda falta e para colocares presbíteros (padres) em cada cidade, de acordo com as minhas instruções. Cada um deles deve ser irrepreensível, marido de uma só mulher, com filhos crentes, e não acusados de vida leviana ou de insubordinação.”

Só muito mais tarde que o celibato foi sendo imposto como lei: no século XI, com o Papa Gregório VII; no século XII, nos Concílios I e II de Latrão, em 1123 e 1139, respectivamente; mas só com o Concílio de Trento, no século XVI, se impôs a toda a Igreja do Ocidente, pois nas Igrejas católicas do Oriente é diferente.

Assim, podemos constatar claramente que o celibato enquanto lei não é um dogma. O próprio Papa Francisco já o reconheceu. Pessoalmente, estou convicto de que no Sínodo sobre a Amazônia, que se realizar em Roma uma tomada de posição da Igreja sobre esta questão.

O cardeal Walter Kasper, presidente emérito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e um dos teólogos que o Papa Francisco ouve com mais atenção, disse recentemente que “Se bispos concordarem em ordenar homens casados, o Papa, em minha opinião, aceitaria essa posição. O celibato não é um dogma, não é uma prática inalterável”.

Isso não seria nada de extraordinário. De fato, no catolicismo de rito oriental, continua a ordenação de casados e os padres anglicanos casados que se convertem são aceites na Igreja católica na condição de casados. Mais importante: a lei do celibato, como ficou dita, não é um dogma de fé, mas uma medida disciplinar. O que é essencial é que as comunidades cristãs possam celebrar a Eucaristia, o que nem sempre acontece, e uma das causas é a exigência, que não provém do Evangelho, do celibato.

Para confirmar o que estou falando, acaba de ser publicado o Instrumentum Laboris(intrumento de trabalho), que servirá de base aos debates durante o Sínodo para a Amazônia, que terá lugar no Vaticano, de 6 a 27 de Outubro próximo, onde se lê: estude-se a possibilidade da ordenação sacerdotal dos chamados “viri probati”, isto é, homens de virtude comprovada, com maturidade humana e cristã, respeitados e aceites pela sua comunidade, “mesmo que já tenham uma família constituída e estável.”

Quanto às mulheres: “Identifique-se o tipo de ministério oficial que pode ser conferido à mulher, tendo em conta o papel central que hoje desempenham na Igreja amazônica.”

SOBRE O AUTOR E SEU CONTEÚDO
* (Padre Carlos Roberto Pereira, de Vitória da Conquista, Bahia, escreve semanalmente para esta coluna)

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