Felippe Hermes –
Imagine nos cinemas.
O homem que perdeu R$ 100 bilhões: Ascensão e queda do império X
Uma boa direção estilo Martin Scorsese, o diretor de O Lobo de Wall Street, ou Oliver Stone, responsável pelo clássico dos anos 80, Wall Street, Poder e Ganância, e um orçamento um pouco maior do que a verba garantida pela Ancine aos filmes nacionais – talvez seja tudo o que a história de Eike Batista necessite para se tornar um sucesso nos cinemas e arrebatar milhões de espectadores.
No que depender de um pequeno público, no entanto, os agentes da Polícia Federal, a parte mais interessante da história ainda é desconhecida: como afinal Eike conseguiu estes bilhões para perder?
Seu retorno ao Rio de Janeiro e o cumprimento do mandado de prisão em seu nome sob a alegação de pagamento de propina ao ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, deve ser justamente o ponto de partida para descobrir esta história – que, ao contrário de sua queda, não parece ter sido tão bem narrada pelos jornais. Trata-se do início daquilo que pode ser uma abertura completamente nova para a Lava Jato: o BNDES e os campeões nacionais.
Se não há, porém, expectativa de que uma delação de Eike possa ser tão grande quanto a de Marcelo Odebrecht e seus 77 executivos, há ao menos uma certeza: será tão profunda e impactante quanto. Razões para crer nisso não faltam. Ao longo da última década, nenhum empresário brasileiro esteve tão próximo ao poder e foi tão bajulado por ele quanto Eike Batista. Foram R$ 16 bilhões apenas em empréstimos para suas empresas, fora licenças de exploração e construção, além de lobby direto para lhe favorecer, executado por ministros de Estado.
De fato, muito antes de qualquer delação ser fechada para garantir sua saída da penitenciária, no Rio de Janeiro, ou passar a história a limpo, como disse o empresário ao embarcar em Nova York, sua prisão já garante ao Brasil uma série de lições sobre nossa história recente.
1. O governo brasileiro é uma máquina de concentração de renda.
Entender a profundidade da figura de Eike Batista não é nem de longe uma tarefa fácil. Basta dizer, por exemplo, que em certo momento, vozes tão antagônicas quanto as da ex-presidente Dilma Rousseff e da revista Veja, expuseram Eike como um símbolo do empresariado brasileiro e do novo capitalismo nacional.
Eike era o novo, o ambicioso, o rico que não tinha vergonha de exibir o que conquistara, nem que com isso acabasse expondo a decoração com gosto duvidoso de sua sala de estar, com uma Lamborghini estacionada no meio. Em um país acostumado a ver entre os seus bilionários herdeiros discretos ou ricos contidos, foi uma novidade e tanto ter alguém disposto a se engajar em causas filantrópicas e ainda ajudar a construir o país pela base.
Por trás do heroísmo que as mais de vinte capas de revistas como Exame ou Época Negócios lhe garantiram, Eike mostrava justamente uma face desconhecida do tal capitalismo à brasileira onde empresários selecionados assumiam riscos com o dinheiro alheio.
Graças a uma massiva injeção de dinheiro do banco de desenvolvimento brasileiro, o BNDES, empresários como Eike se tornaram opções viáveis para receber a missão concedida pelo governo de reinventar nossa economia. Criaríamos grandes empresas com dinheiro público, que concorreriam com as multinacionais e colocariam o Brasil na rota do capitalismo global.
Por anos, Eike foi um recordista em captar recursos para seus projetos vendendo ações na bolsa de valores (até hoje o recorde de maior quantidade de recursos levantada permanece com ele e sua petroleira, a OGX), além de um especialista em vender o Brasil e atrair investidores internacionais. Em 2007, por exemplo, em apenas um negócio, Eike foi responsável sozinho por 10% do saldo de dólares que entraram no país: na venda para a mineradora Anglo American, de seu projeto de mineração que uniria Minas Gerais e o Rio de Janeiro. Foram R$ 5,5 bilhões em lucro em uma única tacada.
Na hora do aperto, porém, a cobrança de acionistas minoritários por resultados e metas acabaram levando o empresário a buscar um sócio bem mais compreensivo: o governo. Com bilhões em dinheiro público, Eike louvava a eficiência da gestão federal e ajudava a passar a imagem de um país pujante.
A política de campeões nacionais oficialmente não existe mais, mas seus custos ainda podem ser sentidos – são estimados em R$ 30 bilhões anuais, além de parte considerável de nossa dívida pública, empenhada na tarefa de enriquecer alguns poucos Batistas, sejam eles Eikes ou Joesleys (da família dona do grupo JBS Friboi, a segunda empresa que mais recebeu recursos do BNDES neste mesmo período).
Eike é o perfeito exemplo daquilo que o governo sabe fazer melhor do que ninguém: criar concentração de renda.
2. Grandes empresários não fazem doação, mas investimento.
Ir e voltar de Nova York nem sempre foi tão desconfortável para Eike – e não apenas pela prisão que esperava por ele no desembarque no Rio. Durante anos, Eike consolidou uma frota de aviões tão grande que o obrigou a criar uma empresa para geri-la: a AVX. Suas oito aeronaves valiam juntas US$ 200 milhões, ou quase R$ 700 milhões.
Você talvez esteja se perguntando por que afinal uma pessoa precise de tantos aviões, mas a lógica por trás disso é bem mais simples do parece: prestar favores.
De Lula a Eduardo Paes e Sergio Cabral, os jatinhos de Eike foram muito úteis em tornar confortável a vida de políticos brasileiros aos quais o empresário achava necessário manter uma boa relação.
Foi a bordo de seu Gulfstream, avaliado em US$ 60 milhões, por exemplo, que a delegação brasileira foi à Dinamarca buscar as Olimpíadas para o Brasil. Na tarefa de conquistar o evento para a cidade, o empresário empenhou outros R$ 23 milhões.
A ideia era simples: Eike era um grande investidor da cidade do Rio. Por lá, não apenas sua holding, a EBX, mas uma grande parte dos seus negócios possuíam sede. Apenas na capital fluminense, Eike detinha a concessão da Marina da Glória, parte do novo Maracanã e o hotel Glória. Os milhões investidos para despoluir a lagoa Rodrigo de Freitas se misturavam aos milhões investidos na compra de metade do Rock In Rio ou na realização do Rio Open de Tênis pela IMX – ou quem sabe ainda na criação do RJX, seu próprio time de vôlei.
Segundo apurou a Polícia Federal, no mesmo período, Sergio Cabral movimentou um esquema que ajudou a superfaturar bilhões de reais e desviar centenas de milhões dos cofres do estado do Rio de Janeiro.
A imagem de Cabral e Eike foi por um bom tempo difícil de se distinguir. Com alguns milhões, Eike apoiava o governador na construção de UPPs, com cerca de R$ 20 milhões (que acabaram sendo canceladas graças à crise em suas empresas) e consolidava a imagem do ex-governador e atual residente da penitenciária de Bangu, como um dos responsáveis por fazer o Rio de Janeiro renascer economicamente. Do outro lado, Cabral concedia isenções fiscais até mesmo para o restaurante chinês de Eike (que deixou de pagar R$ 2,6 milhões).
Para a Polícia Federal, Eike deu a Cabral algo próximo de US$ 16,5 milhões, enquanto Cabral teria dado R$ 80 milhões em isenções fiscais a Eike, além de algumas centenas de milhões em benefícios para as empresas que aceitassem operar no Porto do Açu, projeto da LLX.
3. Que conquistar a confiança de um presidente não é fácil, mas vale a pena.
Foi em 2002 que Eike conheceu a figura do ex-presidente Lula. Na sede da EBX, muito mais modesta do que viria a ser, Eike, que voltara ao Brasil em 1999, após uma fracassada tentativa de criar uma mineradora global com sede no Canadá, recebeu um tesoureiro de campanha do ex-presidente com uma única missão: pagar o que faltara da campanha vitoriosa de Lula em 2002.
Oficialmente, Luma de Oliveira, sua ex-esposa, foi a maior doadora de campanha como pessoa física para Lula em 2002. Foram R$ 27 mil doados.
O relato acima, parte da biografia de Eike escrita pela jornalista Malu Gaspar, mostra aquilo que viria a se tornar uma obsessão para o empresário, quase tão grande quanto a de superar o próprio pai, o criador da moderna Vale do Rio Doce: a de estar próximo a Lula.
Em 2006, por exemplo, Eike contratou José Dirceu para resolver um pequeno problema burocrático na vizinha Bolívia: Evo Morales havia nacionalizado sua siderúrgica e Eike buscava uma reparação. Como consultor, Dirceu tinha a incumbência, sem sucesso, de evitar o prejuízo.
O fracasso, porém, não foi de todo ruim. Assim como seu amigo e jornalista Roberto D´Ávila, que fez por vezes o papel de assessor de imprensa de Eike, Dirceu era uma nova porta que se abria em direção ao Palácio do Planalto e seu ocupante principal.
A obsessão de Eike não foi sem sentido. Irritado com as negativas da maior mineradora do país de investir em siderurgia, Lula, convencido por André Esteves, do BTG, e pelo próprio Eike, em uma reunião em Nova York, topou levar adiante um dos maiores planos do governo para ampliar sua presença na economia: colocar um protegido seu no controle da Vale.
A boa relação com o ex-presidente Lula, no entanto, garantiu a Eike uma voz mais bem ouvida no novo governo. Foi a partir de 2010, por exemplo, que suas empresas começaram a ter grande apoio por parte dos bancos públicos, deixando de depender do mercado financeiro. Eike entrou para o círculo dos amigos do rei.
4. Que o povo na rua é a melhor forma de evitar abusos.
Sua derrocada em 2013 foi um evento daqueles raras vezes visto. Em toda história recente da humanidade, não há um único caso em que alguém tenha perdido US$ 30 bilhões de forma tão rápida.
Durante sua queda, graças em boa parte ao não cumprimento de promessas de produção por parte da petroleira OGX, a maior empresa do grupo, Eike contou com a generosidade do governo – até mesmo com a atuação direta de ministros. Segundo conta O Globo, em 2013, os ex-ministros Guido Mantega e Fernando Pimentel, atual governador de Minas Gerais, pressionaram o estaleiro de Cingapura, Jurong, para trocar o Espírito Santo pelo Porto do Açu, no Rio.
A ida do povo às ruas nos protestos de junho, porém, tornou o que parecia difícil, impossível. Articular para salvar Eike em um momento no qual o governo era incapaz de salvar a si mesmo, ficou fora de cogitação.
Por quase um ano, Eike acreditou que a Petrobras poderia salvar seu porto se o escolhesse como base operacional para guardar e exportar o petróleo produzido pelo pré-sal. Seria uma alternativa bilionária capaz de fazê-lo dar a volta por cima.
Nada disso, no entanto, saiu do papel. Preocupar-se com um bilionário falido enquanto o povo nas ruas realizava os até então maiores protestos de rua do país em duas décadas, seria sentenciar o governo ao próprio fim.
5. Que é mais fácil e barato comprar leis e políticos do que prestar um bom serviço.
Desde que seus negócios tornaram-se inviáveis, graças em boa parte as promessas excessivas e pouco ou quase nenhum resultado entregue, Eike virou-se de vez para Brasília.
Segundo o próprio empresário, Guido Mantega teria lhe feito um pedido de R$ 5 milhões em contribuição direta para o Partido dos Trabalhadores. Eike atendeu prontamente, depositando os recursos no exterior para pagar os marqueteiros da campanha de Dilma.
Até mesmo uma nora do ex-presidente Lula entrou para o rol de recebedores de propinas do empresário, segundo apurações da PF. Cerca de R$ 2 milhões teriam sido liberados pelo estaleiro de Eike, parte da OSX, em troca de certos benefícios. O responsável pelo pedido: José Carlos Bumlai, grande amigo de Lula, atualmente preso em Curitiba.
Pelos recursos, Bumlai ajudaria Eike a conseguir contratos junto a Sete Brasil, a empresa responsável por financiar e alugar para a Petrobras as sondas do pré-sal.
Apesar de o contrato nunca ter saído, a OSX de Eike conseguiu um feito e tanto – o de renegociar o pagamento de suas dívidas junto à Caixa Econômica Federal em até 40 anos.
Para receber R$ 1 bilhão do Fundo de Investimento do FGTS, Eike teria liberado alguns milhões para Eduardo Cunha, responsável por indicar o vice-presidente da Caixa Econômica, e membro do conselho do FI-FGTS, Fábio Cleto.
Em 2013, Eike ganhou até mesmo uma Medida Provisória para chamar de sua. A MP dos Portos, apelidada no congresso de MP Eike Batista, deveria ajudar a salvar seu porto no Rio, ao garantir demanda para ele.
6. Que o jeitinho brasileiro é o maior empecilho ao desenvolvimento no país.
A abertura de capital de sua mineradora, a MMX, foi a primeira das grandes tacadas de Eike. Em 2006, o empresário levou R$ 1,18 bilhão por um terço de sua mineradora.
Em 2007, Eike vendeu para a gigante Anglo American seu projeto de mineração que ligaria Minas e Rio de Janeiro, por R$ 5,5 bilhões. Apenas os acionistas do empresário levaram para casa R$ 2 bilhões com esta operação. Em outras palavras: ganharam em um ano algumas vezes o valor que haviam aplicado, e ainda detinham parte relevante da mineradora.
O negócio se tornou famoso e ajudou Eike a levar à bolsa outras quatro empreitadas que existiam apenas no papel: sua petroleira OGX, a elétrica MPX, o estaleiro OSX e a companhia portuária LLX. Juntas, as empresas captaram um valor próximo de R$ 17 bilhões, quase duas vezes os empréstimos do BNDES a Eike.
Tornar-se sócio do empresário virou uma obsessão, e não era pra menos. Eike teria uma mini-Petrobrás, uma mini-Vale e uma Embraer dos mares. Seus projetos não eram nada modestos e sua fortuna, ao menos virtualmente, fazia jus ao que propunha.
Por que levar anos para ter de volta o valor investido em empresas mais consolidadas como Itau, Ultrapar e Ambev se era possível obter o retorno magicamente em pouco tempo? Em uma bolsa de valores repleta de pequenos investidores, o que poderia parecer um meio de captar recursos privados para projetos privados que alavancariam a infraestrutura brasileira, logo se tornou um grande cassino.
Graças a mal sucedida experiência do grupo X, que terminou causando um prejuízo de US$ 5 bilhões apenas a Anglo American (suficiente para causar a demissão de sua presidente), captar recursos na bolsa para projetos nascido do zero se tornou uma experiência impensável. Por anos, os IPOs ficaram em segundo plano.
Por que assumir riscos com minoritários e cumprir metas se era possível pegar dinheiro junto ao governo? O caminho mais fácil tornou-se óbvio: o governo era uma mãe. E tudo iria muito bem para estes poucos selecionados, não fosse o país dar sinais de que não aguentaria arcar com a festa por muito tempo.
7. Que nos negócios e na política, é possível enganar algumas poucas pessoas por um certo tempo, mas jamais todos o tempo todo.
“A OGX irá produzir 50 mil barris de petróleo em no segundo trimestre de 2013″, afirmou Eike aos seus investidores em 2012.
Na história mundial do setor de petróleo e gás, encontrar uma empresa que produziria um resultado tão expressivo em um período de três anos, entre a aquisição das áreas e o primeiro óleo, é uma tarefa considerada impossível. Para os investidores de Eike, no entanto, que toparam ser sócios de um empresário sem qualquer experiência na área, era plenamente crível.
Quando realizou a maior abertura de capital da bolsa brasileira até então, Eike não possuía sequer um único direito para explorar petróleo. Foram R$ 6,6 bilhões entrando em caixa em troca de nada concreto.
Com este dinheiro, o empresário levou para a OGX a peso de ouro executivos e engenheiros da Petrobras, com a promessa de que eles estariam por dentro da maior novidade brasileira até então: o pré-sal.
Nos três anos seguintes, os tweets de Eike contando como era acordado de madrugada para ser informado sobre as novas descobertas de petróleo da empresa eram suficientes para fazer as ações subirem.