“Dona Maria” e seu comparsa Juarez, o “Neguinho”: homicida e gerente da facção BDN |
A compra de drogas para uso próprio terminou em morte para dois amigos, em
fevereiro, em Vitória da Conquista (BA). Julgados como “soldados do tráfico” numa
área inimiga, os jovens foram assassinados com mais de dez tiros de pistola e
revólveres.
A atuação é característica de integrantes da facção BDN (Bonde do Neguinho),
liderada por Jasiane Silva Teixeira, 28, a “dona Maria”, que tem espalhado o terror
na cidade de 346 mil habitantes – a terceira maior da Bahia.
Segundo a polícia, a
BDN é ligada ao PCC.
O “Neguinho” da sigla BDN se refere a Juarez Vicente de Moraes, principal
executor de homicídios e gerente do tráfico de drogas.
Segundo a Polícia Civil, os garotos estavam de bicicleta no Vila Sul, conjunto
habitacional do Minha Casa, Minha Vida, situado no bairro Campinhos (periferia da
cidade), perguntando onde achar maconha.
“Pelo que apuramos, os jovens não tinham envolvimento com o tráfico, eram
usuários.
“Dona Maria”, associada pela polícia à carta da dama de copas, na lista de procurados |
Mas, ao serem confundidos com integrantes de outra facção, foram
mortos”, afirmou o delegado Hudson Santana, da Delegacia de Homicídios.
Até o final de semana, a polícia havia conseguido identificar apenas uma das
vítimas: Igor Carvalho Silva, 18.
As mortes dos adolescentes foram as mais recentes relacionadas ao tráfico na
cidade, onde já ocorreram neste ano 36 homicídios, a maioria envolvendo
vendedores e usuários de drogas. No ano passado, houve ao todo mais de 200
assassinatos na cidade. Segundo o Ministério Público, mais de 90% deles estão
associados a conflitos envolvendo o tráfico na região.
O assassinato é um destino possível
de quem se atreve a contrariar os
interesses de “dona Maria”, dentro ou
fora do território dominado por sua
facção.
Branca e de olhos claros, “dona Maria”
tem ascendido recente no mundo do
crime no interior da Bahia. Mas estar
em posição de liderança trouxe para
ela mais riscos.
Em fevereiro, a SSP (Secretaria da
Segurança Pública) da Bahia usou a
carta de “Dama de Copas” para inseri-la
no “Baralho do Crime”, ferramenta
para ajudar na captura de criminosos
foragidos. O “Baralho” foi atualizado
110 vezes desde sua criação, em
2011.
A exibição dos rostos desses
criminosos já contribuiu para 68
prisões, segundo a secretaria.
Ter entrado para o grupo dos procurados também parece ter sido motivo de orgulho
para ela, pois já se vê em bairros dominados pelo BDN pichações com a inscrição
“Salve copa”.
Na Justiça Criminal, “dona Maria” é ré em seis processos: por tráfico e associação
para o tráfico (quatro ações) e por homicídio qualificado (uma ação em Vitória da
Conquista e outra em Jequié, cidade para onde vão os condenados a regime
fechado na região sudoeste da Bahia).
“Mas temos informações seguras de que é ela quem manda cometer os
homicídios”, disse o delegado Hudson Santana.
Um rival “discreto” do outro lado da rodovia
Um ‘salve copa’ pichado na parede faz referência à ‘dona Maria’, a ‘Dama de Copas’. |
“Dona Maria” atua principalmente no lado oeste de Vitória da Conquista. Do lado
oposto, separado pela rodovia BR-116, atua seu principal rival: Wilians de Souza
Filho, o “Nem Bomba”. Segundo a polícia, a facção de “dona Maria” tenta há anos tirar “Nem Bomba” de
cena, realizando constantes invasões em seu território e assassinando quem
trabalha com ele.
“‘Nem Bomba’ não tem entrado na área dela, mais por estilo de atuação. Ele tem o
território definido e quer apenas manter o poder. Possui atuação bem mais discreta.
Se for atrás dele, ele revida. Já esteve preso, mas teve o mandado revogado pela
Justiça. Sabemos que ele comanda o tráfico, mas atualmente não há nenhum
mandado de prisão em aberto contra ele”, afirmou o delegado Santana.
Namoro com traficante a levou à prisão
Nascida e criada na periferia local, no bairro de Jardim Valéria, a traficante se
envolveu com o submundo de drogas ainda jovem, quando começou a namorar o
então maior traficante da cidade, Bruno de Jesus Camilo, o “Pezão”, primo em
primeiro grau de “dona Maria” e líder do Bonde do Pezão.
A líder do BDN foi presa pela primeira vez em 2008 por tráfico, associação para o
tráfico e porte de arma. Solta meses depois, passou a atuar sob as ordens de
Pezão e montou sua base em Jequié. Foi lá que ocorreu, em 2010, um dos
homicídios sobre o qual ela responde na Justiça.
“Pezão” mandou matar um agente penitenciário que não queria facilitar a entrada
de drogas e armas na cadeia onde ele estava preso.
Outros crimes atribuídos
diretamente a “dona Maria” são um duplo e um triplo homicídio contra integrantes
da facção de “Nem Bomba”. Foram anos juntos, fugindo da polícia e promovendo
festas regadas a maconha e cocaína, até que “Pezão” acabou assassinado em
2014, numa troca de tiros com a polícia em Porto Seguro, no extremo sul do
Estado.
Apesar de estar com “Pezão” naquele dia, “dona Maria” conseguiu escapar do
cerco com ajuda do companheiro.
Muro de bairro dominado pelo BDN faz referência a ataque a grupos rivais, chamados de “os alemão” na gíria do crime |
Para assumir o comando do tráfico no lugar do namorado morto, “dona Maria” se
aliou a Paulo TG, filiado ao Bonde do Maluco, que atua na Bahia como braço do
PCC, de acordo com a SSP-BA.
Ela também se uniu a grupos menores de traficantes ao fazer um acordo para
fornecer drogas, armas e disponibilizar advogados 24 horas por dia. Em troca, a
maior parte do lucro com a venda de drogas seria dela.
Agora como líder criminosa, “dona Maria” tem atuado com mais impiedade que
“Pezão”, na avaliação da polícia, e assassinado rivais em qualquer local e sem se
preocupar com quem estiver por perto, como crianças, ainda segundo a PM.
Em novembro passado, por exemplo, ordenou que seu bando matasse todo mundo
que estivesse em um bar que deu preferência a vender drogas da facção de “Nem
Bomba”. Havia mais de 20 pessoas na festa.
A polícia, no entanto, acabou evitando a chacina ao perceber a movimentação no
local e seguir os traficantes. Quatro deles foram mortos em troca de tiros com os
policiais ao chegarem à festa.
A prima de um dos traficantes mortos foi ao local do crime para passar informações
ao BDN e também foi presa. Em depoimento, a mulher disse que o plano era “matar
geral”.
Pichação em casa de conjunto habitacional do Minha Casa, Minha Vida exalta o PCC |
“Não quero criar meu filho num local desses”
De acordo com a polícia, apesar de atuar localmente, o BDN já se expandiu a ponto
de se tornar integrante da rede do PCC.
A facção se espalhou por vários bairros de Vitória da Conquista, principalmente
onde foram criados conjuntos habitacionais populares do Minha Casa, Minha Vida.
Nesses lugares, é comum haver expulsão de moradores por parte de traficantes.
Moradores disseram que, para permanecer “em paz”, é preciso ser passivo
com os traficantes e até alertá-los da presença da polícia.
“Preferi sair e abandonar minha casa, porque conviver da forma que eles querem é
sempre um risco. Muita gente continua lá por falta de opção, mas querem mais é
poder ir para um local que não esteja sob o domínio do tráfico. Não quero criar meu
filho num local desses”, afirmou Vanderleia Pereira de Oliveira, 37, que morava no
conjunto de Miro Cairo.
O que diz a polícia
Em nota, a Polícia Civil afirma que “nos últimos quatro meses, Vitória da Conquista
acumula redução de 20% nos homicídios em relação ao mesmo período dos anos
anteriores”.
“No último bimestre de 2016, a redução foi de 15% em relação a 2015. No primeiro
bimestre de 2017, a redução foi de 25% em relação a 2016”, afirma a nota, sem
citar números absolutos.
“O resultado é fruto do combate constante e conjunto da Polícia Civil e Polícia
Militar ao tráfico de drogas, com apoio do Ministério Público e Judiciário. No ano de
2016, a Polícia Civil deflagrou 164 operações policiais que resultaram na prisão de
201 pessoas, apreensão de 47 armas de fogo e 2.144 quilos de drogas.”
A nota destaca que “somente o Núcleo de Tóxicos e Entorpecentes, criado em
fevereiro de 2016 e efetivado como delegacia em dezembro do mesmo ano,
deflagrou 48 operações, prendeu 64 pessoas, apreendeu 25 armas de fogo e 624
quilos de drogas”.
Somando-se as ações realizadas pela PM e pela PRF (Polícia Rodoviária Federal),
foram apreendidas 12,5 toneladas de drogas. Como comparação, em 2015, diz a
nota, “foram apreendidos 461 kg”.
Vitória da Conquista, contudo, tem aparecido com destaque em pesquisas sobre
violência.
O Atlas da Violência 2016, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) com dados de 2014 do Ministério da Saúde, aponta que a
taxa de homicídios por 100 mil habitantes na cidade está quase quatro vezes maior
que o aceitável pela ONU (Organização das Nações Unidas): 37,2, acima dos 10
assassinatos a cada 100 mil habitantes delimitado pela entidade.
O município baiano é também o 36º onde mais se mata no mundo, aponta o estudo
da ONG mexicana Seguridade, Justiça e Paz, cujo estudo abrangeu apenas
cidades com população acima de 300 mil habitantes.
De acordo com a organização,
ocorreram em 2015 em Vitória da Conquista 132 homicídios, tendo a cidade ficado
com uma taxa de 38,46 mortes a cada 100 mil habitantes.
Mário Bittencourt – UOL